sábado, 8 de julho de 2017

Classe, Partido e Direção


Nota política da Coordenação Nacional do Movimento Luta pelo Socialismo (M-LPS)
 
Lenin fazendo anotações durante o plenário do III Congresso da III Internacional 1921

O nível de mobilização do dia 30 de junho suscita um debate sobre as relações dialéticas entre a classe trabalhadora, suas organizações e partidos e as direções “oficiais” do movimento operário. Várias correntes, partidos e organizações apresentaram balanços e análises a respeito do recuo das Centrais Sindicais e a mobilização menor neste dia.
O objetivo desta nota é fazer uma breve reflexão sobre o papel das direções majoritárias no amplo movimento da classe trabalhadora, em especial na classe operária. E quais as táticas mais adequadas para enfrentar esta situação do ponto de vista da construção de uma alternativa de luta contra o capitalismo e que através da ação prática e discussão com a vanguarda abra caminho para a luta pelo socialismo. Pensamos que este é um dos e talvez o principal desafio da esquerda socialista.

Para a ajudar a reflexão proposta nesta nota política, tomamos “emprestado” o título de um texto de Trotsky, “Classe, Partido e Direção”. Neste texto focado na Revolução Espanhola e na guerra civil, ele analisa as causas da derrota do proletariado espanhol.
Não há como fazer analogias de situações políticas tão diferentes, a Espanha da revolução socialista traída e da guerra civil com a situação brasileira em 2017 onde o poder do Estado foi tomado de assalto por uma quadrilha de “gangsters”. Mas mesmo assim aparecem um denominador comum que é uma constante das revoluções proletárias na era de decadência do imperialismo. Uma burguesia incapaz de estabelecer uma república burguesa democrática; um proletariado que desperta para a luta de classe, pressionando para o atendimento de suas reivindicações democráticas e econômicas; uma direção reformista majoritária na classe trabalhadora que deseja manter o processo revolucionário nos limites burgueses (a Frente Popular com a burguesia ou com sua sombra); e finalmente uma Esquerda pulverizada e ainda incapaz de se constituir em um polo alternativo, independente, em relação à política do reformismo. Citamos um parágrafo deste artigo:

“A mesma penetração dialética é necessária quando se trata da direção de uma classe. Imitando os liberais, nossos sábios aceitam tacitamente o axioma de que cada classe tem a direção que merece. Na realidade, a direção, de nenhum modo, é um simples "reflexo" de uma classe ou o produto de sua própria criação livre. Forja-se a direção no processo dos choques entre diferentes classes e das fricções entre as diferentes camadas dentro de determinada classe. Uma vez assumido seu papel, a direção invariavelmente se eleva acima de sua classe, com o que fica predisposta a sofrer pressões e influências de outras classes. O proletariado pode "tolerar" por longo tempo uma direção que tenha sofrido um processo de completa degeneração interna, contanto que ela não tenha tido a oportunidade de evidenciar essa degeneração diante dos grande acontecimentos. É necessário um grande abalo histórico para aparecer a aguda contradição entre a direção e a classe. Os abalos históricos mais poderosos são as guerras e as revoluções. Precisamente por este motivo é que, com freqüência, a classe operária é pega desprevenida pela guerra e pela revolução. Mas mesmo nos casos em que a velha direção tenha revelado sua corrupção interna, a classe não pode improvisar imediatamente uma nova direção, se não herdou do período anterior sólidos quadros revolucionários, capazes de aproveitar o colapso do velho Partido dirigente” (Classe, Partido e Direção, Leon Trotsky, 1940).

Como as classes em luta se posicionam na arena política

O dia 30 de junho, data marcada, pelas centrais sindicais, para uma nova greve geral com o objetivo de barrar as contrareformas reacionárias do governo Temer e que vem combinando com a campanha pelo Fora Temer e Diretas Já, acabou sendo um dia de lutas, greves parciais por todo o país, paralizações, manifestações, ocupações de ruas, mobilizando o setor mais consciente da classe trabalhadora e da juventude. Foi um importante dia de luta atingindo mais de 100 cidades em todo o Brasil. Uma nova Greve Geral precisa ser preparada, o que não ocorreu por conta principalmente da ambiguidade da CUT, a principal central sindical, diferentemente da Greve Geral de 28 de abril que teve ampla mobilização prévia e que ganhou a adesão das amplas massas populares.
Mas houve cidades em que a greve dos transportes públicos contribuiu para uma paralização total, como em Brasília e em algumas capitais do Nordeste. Mas como regra geral as paralizações se deveram às categorias com maior tradição de luta e as manifestações Uma abordagem impressionista é a que vamos encontrar na mídia alternativa onde não faltam vozes a dizer que “as Diretas já e o Fora Temer” não pegaram na população ou que “as massas estão apáticas”. De outro lado os esquerdistas afirmando que “as massas estão desconfiadas” e quando são chamadas a se mobilizarem pelas Diretas Já elas não correspondem.
Massas “apáticas” ou “desconfiadas” não fazem uma greve geral que paralizou 40 milhões de trabalhadores. Greve de massas onde a espontaneidade foi o aspecto mais positivo no dia 28 de abril. Greve de massas que intensificou a divisão e crise de domonação da burguesiaq e de seu governo corrupto. Greve de massas que exigiu o fim das contrarreformas, mas também o Fora Temer e colocaram na agenda as Diretas Já!
Não sejamos simplistas. A questão deste “refluxo” parcial ocorrido no dia 30 de junho está determinada pela relação dialética entre a classe trabalhadora, em especial a classe operária e suas direções.

A economia e o projeto reformista

O Partido dos Trabalhadores fez recentemente o seu 6° Congresso. Em uma de suas intervenções, Lula declara que “2018 está logo ali”. Nesta simples frase se resume toda política do PT: se preparar para as eleições de 2018 onde Lula é o favorito em todas as simulações das pesquisas. E o projeto do PT não será de um governo que preconize uma saída pela esquerda, o que se delineia é um governo de coalizão com a “sombra da burguesia”, isto é, um governo de “Frente Popular”, com um programa de salvação da economia capitalista com concessões sociais, conforme está na “Programa Popular de Emergência” defendido pela Frente Brasil Popular.
A direção reformista (Lula, PT, PCdoB) vai tentar um novo pacto de colaboração de classes com a burguesia tendo como passaporte a “sombra” dela (Roberto Requião, Ciro Gomes, Luis Carlos Bresser Pereira, etc.) além da participação de setores da própria burguesia sempre vistos como “progressistas” pelo reformismo. A adoção de medidas “keynesianas” (referência ao economista inglês John Maynard Keynes) cuja teoria atribuiu ao Estado o direito e o dever de conceder benefícios sociais que garantam à população um padrão mínimo de vida como a criação do salário mínimo, do seguro-desemprego, da redução da jornada de trabalho (que então superava 12 horas diárias) e a assistência médica gratuita. O Keynesianismo ficou conhecido também como "Estado de bem-estar social".
Será possível aplicar este programa na situação onde o capitalismo mostra a sua face em decomposição através da massiva crise global de superprodução que parece não ter fim? O governo “socialista” de Portugal está aplicando essas políticas às custas de um aumento gigantesco da dívida pública. Logo vai estar confrontado com o dilema: ou nacionaliza os bancos e o capital financeiro ou será obrigado a capitular perante as medidas de austeridade.
Como será possível um hipotético governo Lula de coalizão aplicar no prazo de 4 anos 25% do PIB em investimentos públicos para recuperação da capacidade produtiva do capitalismo sendo que a dívida pública brasileira já chegou a 3,650 trilhões para um PIB estimado de 4 trilhões?
Esta será uma das grandes contradições que o reformismo irá enfrentar se chegar novamente ao poder. Mas tem a vantagem de defender perante os trabalhadores o “Estado de Bem-Estar Social” perante as medidas aplicadas com toda selvageria pelo governo ilegítimo de Temer e sua quadrilha.
O que deu um novo alento ao reformismo quando alguns o consideravam “morto” e só faltava sepultá-lo? O impeachment, a voracidade dos ataques da burguesia como o novo governo e a perseguição midiática á toda esquerda e principalmente a Lula e ao PT, criou o cenário para suscitar novas ilusões nas massas recuperando parte significativa do prestígio de Lula e do PT. Mas fica a pergunta: será bem-sucedido? Praticamente impossível!
O chamado neoliberalismo ou melhor dizendo, a política de “auto-regulamentação do mercado” fracassou em todos os países e por outro lado o “keynesianismo” com suas meias medidas, e ao não avançar em direção a abolição da ordem existente e da propriedade privada dos grandes meios de produção fracassará igualmente.

O jogo duplo do reformismo

O assalto ao poder liderado pelo PSDB-PMDB que instalou na Presidência da República o corrupto Temer – com o objetivo de impor contrarreformas reacionárias de retirada de direitos trabalhistas e previdenciários - desencadeu uma crise política de tal proporção que a burguesia não sabe agora como sair dela. A classe trabalhadora reagiu e depois de uma série de manifestações desencadeou a maior greve geral já ocorrida no Brasil desde a greve de 1917. As denuncias de corrupção todo o governo Temer, seus partidos aliados no Congresso e o próprio Temer atingido em cheio na condição de chefe de quadrilha de criminosos.
A burguesia se dividiu em várias facções, não consegue compor um governo via eleição indireta e o único consenso que as facções burguesas tem é o de, com Temer ou sem Temer, as contrarreformas têm que ser aprovadas, mesmo que isso signifique afundar a economia brasileira no mais completo lodaçal.
E a única força política neste momento com apoio popular, capaz de eleger um governo é o PT e Lula, com o projeto reformista da “Frente Popular”. Depois de ter sido satanizado pela Lava Jato, pela mídia e pela burguesia, Lula reaparece com 30% a 40% das intenções de votos.
Assim vai ficando claro que toda a política aprovada no 6° Congresso do PT consiste em jogar todo peso da mobilização para as eleições de 2018. Apesar de formalmente apoiarem as “Diretas Já”, o que fica evidente é usar esta mobilização como demonstração de força perante uma burguesia que, apesar de contar com grandes recursos financeiros, está sem uma base política homogênea e neste momento, eleitorado insuficiente para fazer frente a candidatura Lula.
O reformismo faz então um duplo jogo acenando para a burguesia que tanto tem capacidade de mobilizar tem também a capacidade de freiar e desmobilizar. O reformismo quer se qualificar para um novo pacto de colaboração de classes.

Classe e partido: a luta pela construção de uma direção revolucionária.

A classe trabalhadora brasileira despertou do longo entorpecimento provocado pela política de colaboração de classes do reformismo com a burguesia. O impacto da crise social no Brasil e os ataques da burguesia para a retirada de direitos mexeram com as diversas camadas da classe trabalhadora, das mais avançadas até às massas mais atrasadas.
Quando a classe trabalhadora vai à luta a sua consciência espontânea se volta em direção às organizações tradicionais operárias que ela experimentou no passado. Não poderia ser de outro jeito. A classe não improvisa novas direções. Portanto é perfeitamente normal que as massas de trabalhadores tenham fortes ilusões em Lula e no PT. Somente a experiência na luta de classes vai mostrar às massas a inutilidade do programa reformista.
É necessário combinar as táticas adequadas para que as massas façam a experiência com o reformismo e a colaboração de classes combinando as reivindicações democráticas transitórias com as tarefas socialistas e neste movimento apresentamos outro programa, resguardando as posições políticas revolucionárias e explicando os limites do reformismo. E sobretudo para não cair no subjetivismo de querer uma revolução apenas pela vontade de uma vanguarda sem as massas, é uma política estéril e levará a desmoralização e marginalidade frente ao amplo movimento da classe trabalhadora.
Lênin é muito claro sobre isso:

“A lei fundamental da revolução, confirmada por todas as revoluções, e em particular pelas três revoluções russas do século XX, consiste no seguinte: para a revolução não basta que as massas exploradas e oprimidas tenham consciência da impossibilidade de continuar vivendo como vivem e exijam transformações; para a revolução é necessário que os exploradores não possam continuar vivendo e governando como vivem e governam. Só quando os "de baixo" não querem e os "de cima" não podem continuar vivendo à moda antiga é que a revolução pode triunfar. Em outras palavras, esta verdade exprime-se do seguinte modo: a revolução é impossível sem uma crise nacional geral (que afete explorados e exploradores). Por conseguinte, para fazer a revolução é preciso conseguir, em primeiro lugar, que a maioria dos operários (ou, em todo caso, a maioria dos operários conscientes, pensantes, politicamente ativos) compreenda a fundo a necessidade da revolução e esteja disposta a sacrificar a vida por ela ; em segundo lugar, é preciso que as classes dirigentes atravessem uma crise governamental que atraia à política inclusive as massas mais atrasadas (o sintoma de toda revolução verdadeira é a decuplicação ou centuplicação do número de homens aptos para a luta política, homens pertencentes à massa trabalhadora e oprimida, antes apática), que reduza o governo à impotência e. torne possível sua rápida derrubada pelos revolucionários”. (Lênin Teses de Abril)

Tudo depende do proletariado, de seus partidos e de sua direção. Cabe à Esquerda Socialista, e o PSOL pode cumprir um papel essencial, abrir uma alternativa independente para a crise social e a catástrofe que nos ameaça, respondendo à hegemonia do reformismo com a política da Frente Unica, a linha da unidade entre as organizações operárias em defesa das reivindicações. É a linha de chamar os reformistas a romperem com a burguesia. Nenhuma força política atrelada à propriedade privada dos meios de produção e à ordem existente pode abrir uma saída progressiva para a crise.

A unidade da Esquerda Socialista, que – armada com a estratégia da revolução permanente é capaz de combinar, por meio das reivindicações transitórias as reivindicações econômicas e democráticas (eleições diretas e gerais já, Assembleia Constituinte, retirada das leis de exceção) com as tarefas socialistas da revolução – será capaz de construir uma nova direção para o movimento operário.

São Paulo, 7 de julho de 2017


Coordenação Nacional do Movimento Luta Pelo Socialismo  M-LPS

Nenhum comentário:

Postar um comentário