segunda-feira, 22 de maio de 2017

Um importante Legado do bolchevismo.

Um importante Legado do bolchevismo.


Por *Andreas Maia e José Carlos Miranda

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Os jovens Marx e Engels
A experiência do partido bolchevique desde sua constituição como fração do POSDR (Partido Operário Social Democrata Russo), até sua total desnaturação pela burocracia personificada por Stalin, tem grandes ensinamentos e sempre precisa ser estudada. O que não significa uma repetição mecânica de suas palavras de ordem, resoluções etc. Compreender o contexto, as forças da luta de classes nacionais e internacionais, como se forjaram os quadros e a situação em que se encontravam, inclusive a história e formação das classes fundamentais, a saber, o proletariado e a burguesia e o carcomido regime Tzarista, são necessidades primordiais para este estudo e consequentemente seu aprendizado. Com este objetivo apresentamos este importante acontecimento que causou uma virada na forma de construção do partido bolchevique e teve papel decisivo no seu enraizamento no proletariado russo, em especial na classe operária. Utilizando as excepcionais ferramentas de análise dos fenômenos sociais deixadas por Marx e Engels, o materialismo histórico e o materialismo dialético, podemos tirar ensinamentos que nos ajudem a adotar as táticas para construção do partido revolucionário e ressaltamos, sem repetir mecanicamente teses e resoluções, mas com a aplicação prática na luta de classes no atual contexto histórico.



Lenin e Trotsky na comemoração de 2 anos da Revolução Russa
Neste ano, 2017, vamos celebrar os 100 anos da Revolução Russa que, através da intervenção das massas, explodiu em fevereiro de 1917 e teve o seu desfecho final em Outubro, com a instituição de um governo operário dos Conselhos

Para muitos da “esquerda” um acontecimento a ser lembrado, mas datado no tempo e no espaço. Algo que ficou no passado com o fim da União Soviética. Mas para os marxistas revolucionários uma revolução autêntica, criadora, onde as massas dirigidas por um partido revolucionário determinado a vencer, interviram nos acontecimentos mudando o curso da História do século XX. O partido bolchevique que liderou a Revolução Russa nos deixou um legado programático cuja atualidade é inquestionável, mas também uma rica experiência de um sistema de organização que mesmo sendo uma contradição em termos, centralizado e democrático ao mesmo tempo, pôde colocar o partido à altura para auxiliar a classe operária russa a levar a revolução até ao seu desfecho final.

Um interessante debate aconteceu na história do partido bolchevique que gostaríamos de compartilhar. É um rico relato dos acontecimentos e da democracia e desenvoltura da discussão na Revolução de 1905, que Trotsky chamou de “ensaio geral” da Revolução de 1917.
Os acontecimentos se desenrolaram durante as jornadas de luta do proletariado russo contra o regime do Tzar. A revolução de 1905 foi o ensaio geral da revolução que iria eclodir em fevereiro de 1917. Uma passeata liderada por um padre monarquista, ao ser duramente reprimida pelas forças policiais, liberou forças que a autocracia russa não pôde conter. A classe operária russa, “uma das maravilhas da história” segundo o historiador Isaac Deutscher, criou espontaneamente – em um país meio império meio colônia e como resultado do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo – uma das formas mais avançadas de poder do proletariado, os Conselhos (Soviets), inspirados na organização dos operários de Paris 34 anos antes, a Comuna.

Domingo Sangrento. Ataque a uma manifestação pacífica
desencadeou a Revolução de 1905 na Russia
O Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR) vivia uma intensa luta fracional quando aconteceram os acontecimentos de 1905. Dois anos antes, no seu segundo congresso, o POSDR se dividira em duas alas, uma chamada de bolchevique liderada por Lenin e a outra chamada de menchevique liderada por Martov, Plekhanov e muitos outros. A presidência do Soviet de São Petersburgo (Petrogrado) ficou com o jovem Leon Trotsky, que apesar de ter formalmente ficado com os mencheviques tinha uma posição independente em relação às duas frações da social democracia russa. Mas o comitê bolchevique de São Petersburgo estava contra o Soviet e preconiza o boicote a Assembleia. O argumento era o que essa ampla assembleia, o Soviet, não poderia ocupar o lugar do partido dirigente do proletariado, o que criaria ilusões nas massas e obstáculos à construção do partido.

Sob a direção de Radine, os bolcheviques de São Petersburgo chegaram a dar um ultimato ao Soviet ordenando reconhecer o programa do POSDR. É claro que essa posição sectária e insustentável só durou dois dias. No exílio, Lênin percebe claramente os sinais anunciadores da crise revolucionária de 1905. Mas também se preocupa – e com bastante irritação – que os quadros partidários de sua fração na Rússia tenham interpretado erradamente as propostas contidas no seu livro “Que Fazer? ”, escrito em 1902-03. Em seu livro, Lênin é bastante claro que a organização revolucionária tem o papel de ajudar a impulsionar o movimento espontâneo das massas.

Mas o estado de ânimo da fração bolchevique do POSDR revelou uma certa mentalidade que Lênin chamou de espírito “comitard” (ao pé da letra mentalidade dos homens dos comitês, mas que tem um sentido mais pejorativo, que pode ser interpretado como “mentalidade dos burocratas do comitê”). 

Pressentindo a erupção eminente das massas russas na cena política, Lênin tenta adaptar o sistema de organização do partido às novas condições que se anunciam. O que leva ao choque e a resistência dos “comitards” bolcheviques aferrados à interpretação mecânica do “Que Fazer?”. “Verdadeiramente, penso frequentemente que as nove décimas partes dos bolcheviques são verdadeiros formalistas” escreve Lênin em uma carta datada de 4 de fevereiro de 1905. Continuando “(...) devemos recrutar entre os jovens com mais audácia e generosidade, sem assusta-los. Esqueçam todos os velhos métodos doentes (...) Organizar, organizar e organizar de novo centenas de círculos, passem as habituais bobagens dos comitês hierarquizados a um segundo plano (...) Se não, desaparecerão junto com as honras dos “comitards” o selo oficial impresso em vocês” (...).
No III Congresso, que foi o primeiro congresso da fração bolchevique do POSDR, reunido em Londres reunido em 25 de abril a 10 de maio de 1905, Lênin empenha sua energia para extirpar – não sem impaciência – a mentalidade “comitard” da fração bolchevique. Lênin diz que “eu não podia permanecer sentado e explodir, ao ouvir dizer que não tem operários capazes de entrar nos Comitês (...) Com toda evidencia o partido está enfermo” e acrescentou: “O partido não existe para o Conselho do partido mas o Conselho do partido para o partido” (...) Em condições de liberdade política nosso partido pode ser e será inteiramente construído sob o princípio da eleição (...) Inclusive sob o absolutismo teria sido possível a aplicação de um sistema de eleições em um grau mais elevado do que existe hoje” (Lênin, Sobre a reorganização do partido, 1905).

Ao longo desse período, Lênin se esforça em rearmar sua fração no sentido de uma maior confiança no movimento operário de massa, condição prévia de abertura do partido para a nova vanguarda operária. Fazer a organização voltar a confiar em uma política operária: “A iniciativa dos próprios operários vai se manifestar agora em proporções que não ousávamos sonhar ainda ontem, como conspiradores e membros de pequenos círculos” (Lênin, idem). No III Congresso do partido, Lênin modifica os estatutos no sentido de uma abertura para o movimento espontâneo de massa e para a instauração da democracia interna: a autonomia relativa dos comitês locais é assegurada; o Comitê
Vladmir Ilich Ulianov Lenin em 1923
Central perde o direito de modificar sua composição; é amplamente instituído o princípio eletivo para os cargos responsáveis; é garantido o direito de se opor ao Comitê Central e combate-lo; as tendências minoritárias são protegidas; podem tornar públicas suas posições; o aparato clandestino do partido é obrigado a difundir um texto se for solicitada pela sexta parte dos membros locais do partido, entre outras tantas modificações no estatuto. Resumindo, tanto no plano teórico como no plano organizativo, Lênin se esforça em direcionar sua fração em direção ao movimento operário de massa.

Esta mudança foi reconhecida no prefácio da coleção “Doze Anos”, publicada em 1907, como o momento em que o bolchevismo ganhou sua formulação definitiva e que permitiu ao partido desempenhar um papel dirigente na revolução de 1917. Estas concepções que compõem o bolchevismo vão ser sistematizadas mais tarde no folheto “O esquerdismo: a doença infantil do comunismo”. Este exemplo da história do partido bolchevique nos mostra que nas organizações revolucionárias, em suas fases iniciais, em que não estabeleceram laços definitivos com o movimento operário de massa, o “radicalismo” e o “ultra-esquerdismo”, doenças da fase infantil do movimento, se espalham como um vírus terrível.

Prosperam melhor em movimentos isolados das massas onde inexiste um comportamento corretivo destas. Assim tanto o sectarismo como o seu outro lado simétrico, o oportunismo, decorrem que - na ausência de um trabalho de massas - as questões que, inconscientemente, acabam motivando a atividade política se determinam pelo subjetivismo dos “homens dos comitês”. O que conta é a realidade do “aparato”, ou pior ainda, “a realidade dos chefes de comitês”.

O problema enfrentado pelos bolcheviques nos relatos, em nossa opinião, é também um grande desafio para as organizações de esquerda que se reivindicam do marxismo na atualidade que o exemplo ilustra bastante. Os desvios sectários deste estágio de construção do partido colocam em evidencia a falta de experiencia e a imaturidade, deformações que são fortes em uma organização que ainda tem laços fracos com o movimento operário de massa (v. James Cannon, A História do trotskismo norte-americano). E a melhor maneira de superar isso é mudar de rota: deixar de ser um círculo de propaganda para se transformar em uma organização de combate da classe operária. Girar em direção às massas. Adotar táticas transitórias para estabelecer relações de enlace com o movimento operário de massa. Assim, é preciso respeitar a tradição bolchevique do centralismo democrático: a unidade na ação só pode ser consciente e eficaz se estiver baseada no livre debate, levar em consideração as posições minoritárias e estimulá-las a formarem tendências para apresentarem perante a organização suas posições e discutir até o fim, para que quando se votar, se vote com clareza e determinação. É somente dessa forma que o centralismo democrático pode ser exercido e a unidade na ação em torno da política aprovada pela maioria pode ser garantida.

 Na conjuntura de polarização social é fundamental e necessário que a organização siga um novo curso em direção ao movimento espontâneo de massa. A fase direcionada à propaganda do marxismo perante a vanguarda não deve ser abandonada, mas relativizada em função de um maior trabalho de agitação comunista no movimento operário de massa. A organização de propaganda é eficaz em períodos de calmaria política, mas em situações de intensa polarização social, de espasmos entre revolução e contrarrevolução, ela se torna conservadora.

Uma organização política, mesmo que minoritária no amplo movimento dos trabalhadores, pode perfeitamente começar a realizar a tarefa de adequá-la ao momento presente. O que vai ajudar em muito em consolidar o marxismo revolucionário no movimento operário vivo. E foi por conta desse novo curso tão necessário nessa conjuntura política polarizada na luta de classes, com tempestades e turbulência por todos os lados, que consideramos uma virada na forma organizativa muito diferente do “centralismo democrático” de nossa antiga organização.

Sob forte chuva milhares protestaram
Fora Temer - Diretas Já na Av. Paulista 21/5
Até a pouco, a maioria da classe trabalhadora tinha sido um fator ausente da arena política, por conta da decepção com a colaboração de classes do PT, do desanimo e pela inexistência de uma nova liderança que inspire confiança. O PSOL marcou alguns pontos nas últimas eleições, tem uma bancada parlamentar combativa, e uma penetração importante na juventude e movimentos de opressões, alguns setores do funcionalismo, mas ainda está longe da classe operária.

Apesar do clima de apreensão inicial desde as jornadas de junho 2013, que marcaram uma virada na situação nacional e mesmo no período do Impeachement, finalmente os trabalhadores retomaram a iniciativa política após muitos anos atordoados com a política de colaboração de classes implementadas pelo PT.

Como ajudar o movimento operário de massa a resistir e manter a iniciativa é algo que ultrapassa de longe nossas humildes forças. Mas podemos começar a fazer a nossa parte, que juntando com outras partes, na linha da frente única, pode abrir uma saída para desbloquear essa situação. O que coloca na ordem do dia as iniciativas políticas em direção a constituição de um partido operário de classe, independente, socialista e de massas. Que pode se desenvolver inclusive no próprio seio do PSOL, porém ainda num quadro indefinido na situação de organização e reorganização dos grupos, partidos e organizações que se reivindicam da luta pelo Socialismo.

A principal iniciativa que podemos fazer hoje na direção de um partido operário, socialista e de massas está no combate pela unidade da Esquerda Socialista, que por meio de uma Frente Unica, possa ser capaz de construir um polo de atração para os mais amplos setores conscientes da classe trabalhadora e da juventude.
A nova situação aberta com a delação da JBS colocando o ilegítimo Governo Temer na lona, abre de maneira mais intensa esta perspectiva.


 Andreas Maia e Miranda são da Coordenação Nacional do M-LPS e veteranos militantes revolucionários do movimento operário brasileiro e internacional.

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