Por *Mario Conte
A pouco mais de um ano o governo Temer se constituía a
partir de uma manobra palaciana, conflagrando a ruptura unilateral do governo
de colaboração de classes. Sua finalidade era aprofundar ainda mais os ataques
à classe trabalhadora, em ritmo acelerado.
Senador Eunício Oliveira PMDB-CE anuncia aprovação da Reforma Trabalhista no Senado - Agencia Senado |
E a sua herança é demonstrada pelo relatório do Banco
Mundial divulgado esta segunda-feira, dia 13/07. O relatório citado afirma que
o número de pessoas vivendo na pobreza no Brasil deve aumentar entre 2,5
milhões e 3,6 milhões de pessoas até o fim de 2017. O texto diz ainda que as
pessoas que cairão abaixo da linha de pobreza, como consequência da crise,
provavelmente são adultos jovens, de áreas urbanas, principalmente da região
Sudeste, brancos, qualificados e que trabalhavam anteriormente no setor de
serviços.
Os números oficiais do desemprego, segundo divulgação da
pesquisa Pnad contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística subiu
para 13,7% no trimestre de janeiro a março deste ano, atingindo 14,2 milhões de
desempregados. Esse mesmo trimestre apresentou um crescimento de 900 mil
pessoas no número de inadimplentes, totalizando cerca de 59,2 milhões de
consumidores nas listas de inadimplência. Os dados do indicador do Serviço de
Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes
Lojistas (CNDL) mostram que, em termos percentuais, 39,36% da população adulta,
entre 18 e 95 anos, está com o nome sujo.
A alardeada recuperação econômica que o governo vem
propagando, omite que a indústria operava em fevereiro deste ano com níveis de
2009, sendo que setores como produção de máquinas e equipamentos eletrônicos
operavam com baixa de-3,1% em comparação de fevereiro com janeiro de 2017,
havendo uma queda generalizada de 0,4% sobre bens de consumo, no mesmo período.
Este mês de junho a indústria paulista acumulou 9,5 mil
demissões, segundo dados da própria FIESP.
A degradação social acelerada pela crise econômica
prolongada, com contornos de recessão, somada aos ataques constantes a direitos
e ameaça das contrarreformas previdenciária e trabalhista levaram o movimento
operário a erguer-se em uma contraofensiva, iniciada em 15 de março deste ano.
Por 45 dias o proletariado manteve a iniciativa em suas mãos, deixando a
burguesia nacional ainda mais confusa e dividida, em meio à crise econômica e
sua expressão na arena política.
Esse movimento teve sua inflexão no dia 30/06, quando a
direção do movimento operário diluiu a greve geral em um dia de lutas,
paralisações, protestos e greves. A direção buscava acenar à classe dominante
que estava disposta a negociar acordos sobre as contrarreformas trabalhista e
previdenciária. Puxava o freio de mão, esperando ter deixado claro sua
capacidade tanto para mobilizar uma greve de massas, como fez em 28/04, quanto
para desmobilizar.
Mas o que havia para ser negociado em um brutal ataque a
todo e qualquer direito garantido em lei para a classe trabalhadora?
Os ataques e a tentativa da burguesia de retomar o
controle da situação
A dimensão das contrarreformas, seus prazos e ritmo da
tramitação, indicavam a indisposição ao diálogo pela classe dominante. Este foi
substituído por uma campanha grosseira de propaganda, travestida de reportagem
ou notícia, onde a mídia burguesa martelava sempre que se as contrarreformas
não fossem aprovadas o desemprego cresceria e não haveria investimento ou
retomada da produção, que o país ficaria estagnado e a crise econômica não
seria superada.
Nesse quadro, a semana se iniciou em 10;07, com a reunião da
Comissão de Constituição de Justiça da Câmara dos Deputados para apreciar o
relatório do deputado Sergio Zveiter do PMDB, que era pela admissibilidade da
denúncia do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, de crime de corrupção
passiva do presidente de ocasião, Michel Temer. Este manobrou o quanto pode,
trocando membros da comissão para uma votação favorável a ele e articulou junto
a seu partido (PMDB), a punição com expulsão para os deputados que votarem pela
admissibilidade das investigações, quer na CCJ, quer no plenário. A votação da
CCJ não é terminativa, mas é um termômetro que pode desgastar ainda mais a
imagem do presidente de ocasião, que já está atolado em denúncias de corrupção
até o pescoço e vê a cada dia sua sustentação se dissolver e a possibilidade de
sua destituição tornar-se possível, mesmo provável. Ele tentou encaminhar a
votação apressadamente, porque a discussão em plenário mantém a matéria na
ordem do dia, quando sua popularidade despenca a apenas um dígito e se cair
mais, se tornará menor que a margem de erro das pesquisas.
Sem qualquer base popular de apoio, Temer intensifica o
planalto como balcão de negócios e, se já havia liberado cerca de 1 bilhão de
reais em abril deste ano em emendas parlamentares após a delação de Joesley
batista da JBS, com os parlamentares pedindo literalmente 1,8 bilhão em emendas
em troca das aprovações das contrarreformas trabalhista e da previdência. Os
valores subiram para 4 bilhões apenas no mês de julho, sendo que um dos maiores
beneficiados foi o senador Aécio Neves (PSDB), outro recordista em denúncias de
corrupção, mas que retornou ao senado desde o dia 04/07, após mais de um mês
afastado do cargo por decisão judicial, atempo de votar nas contrarreformas
pelas quais foi tão regiamente pago em emendas parlamentares.
Michel Temer esperava que a votação chegasse ao plenário
ainda nesta sexta-feira, dia 14/07, mas o presidente da câmara, deputado
Rodrigo Maia, declarava que esta poderia chegar a ser votada apenas na terça
dia 18/07, ou mesmo ficar para depois do recesso parlamentar. O mesmo Maia se
recusou a iniciar a sessão da câmara com quórum de 257 deputados, uma outra
manobra de Temer, porque para a admissibilidade ser aceita precisa de 342 votos
favoráveis no plenário. Essas declarações de Maia indicam o desprestígio de
Temer e que a classe dominante possivelmente o destituirá, optando por um
governo biônico eleito indiretamente para tentar tocar as contrarreformas. Essa
opção não deve ser descartada e é um indício dela que Maia tenha deixado a
votação apenas para agosto, o que mantém o tema em pauta por mais quinze dias
na imprensa.
O presidente de ocasião tentou nova demonstração de força na
terça, dia 11/07, quando a contrarreforma trabalhista foi votada pelo senado
federal. Ele precisa acenar para a burguesia que mesmo atolado em um lodaçal de
denúncias, mantém o controle da situação. Essa contrarreforma tão desejada pela
burguesia brasileira, entre outros retrocessos, prevê o parcelamento das férias
em até três vezes; nova modalidade contratação por “trabalho intermitente”
(eufemismo para desemprego permanente); aumento da jornada para até doze horas
diárias, sem pagamento de hora extra; que o acordado possa prevalecer sobre o
legislado; tempo gasto no percurso não poderá mais ser computado como hora de
trabalho; responsabilização do pagamento de perícias pelo trabalhador, quando
houver processo trabalhista; que mulheres grávidas e lactantes poderão
trabalhar em locais insalubres e muitos outros retrocessos.
Apesar da tentativa de obstrução das senadoras Gleisi Hoffmann
(PT-PR), Lídice da Mata (PSB-BA), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Fátima Bezerra
(PT-RN) e Regina Sousa (PT-PI), que ocuparam a mesa impedindo o presidente do
senado, Eunício Oliveira (PMDB), de iniciar os trabalhos, o projeto foi
aprovado em seu texto original apresentado, praticamente sem discussão no
plenário. O PL segue agora para sanção do presidente de ocasião. E Rodrigo
Maia, em nova desautorização a Temer, já declarou que qualquer veto
presidencial ao texto será derrubado pela câmara dos deputados e o texto
permanecerá inalterado.
Mal chegamos ao meio da semana e o agente do imperialismo
adestrado pelo departamento de estado dos EUA e dublê de juiz federal de
primeira instância, Sergio Moro, divulga a condenação do ex-presidente Lula a
nove anos e meio por corrupção passiva, como a cereja do bolo amargo servido à
classe operária esta semana.
O conjunto de ataques sequenciados, que incluem a sanção
presidencial a um PL que regulamenta a grilagem de terras (a regularização de
terras fundiárias da União na chamada Amazônia Legal, a MP 759), não é fortuito
e demonstra que a burguesia entendeu a disposição da direção do movimento
operário em abrir negociação como uma vacilação. Como não há vácuo que perdure
em política, o freio de mão puxado pelas direções, ao interromper
momentaneamente a iniciativa do movimento operário, fez com que a burguesia
acelerasse os ataques, engatando nova marcha e elevando seu moral.
Política é um jogo de classes, não de personalidades
É nesse quadro sequencial de ataques acima descritos que a
condenação de Lula deve ser compreendida. Se não representa a centralidade dos
problemas e desafios do movimento operário, a condenação do primeiro presidente
de origem operária desse país visa atacar o movimento em seu conjunto quando se
encontrava em um ascenso, para desnorteá-lo e desmoralizá-lo. É um claro ataque
às liberdades democráticas, ainda mais que as provas de inocência apresentadas
pela defesa foram recusadas pelo juiz Moro e a “base material” deste para a
condenação são acusações de outros réus no processo e um contrato sem
assinatura.
Junto aos nove anos e meio de pena, o juiz decidiu retirar
os direitos políticos de Lula pelo dobro do tempo desta, ou seja, dezenove
anos. É um claro ataque ao projeto lulista para a sucessão de 2018 e visa
apertar ainda mais o nó de górdio da crise política nacional. Confiar na
apelação à segunda instância é confiar numa suposta imparcialidade da justiça
burguesa. A classe dominante não constituiu suas instituições para que exista
equanimidade nos embates de classe, mas para que ela seja sempre a favorecida
em todos eles. A votação no senado federal das contrarreformas em ritmo de blitzkrieg
demonstra claramente o uso que a esta classe faz de suas instituições. A
seletividade explícita do judiciário, que condenou Lula enquanto o congresso
votava pelo arquivamento do relatório que admitia as investigações contra
Temer, visando barrar toda investigação contra o presidente de ocasião, assim
como o já citado retorno de Aécio ao senado, indicam que a faxina geral que
muitos esperam da Lava Jato e do judiciário não passam de uma limpeza
superficial, que visa remover apenas as manchas que incomodam os olhares dos
sensíveis burgueses, quando olham o cenário político nacional. Dito de outra
forma, remover os representantes do movimento operário e sua direção, mesmo que
tenham já governado nos interesses da burguesia nacional, como foram os casos
de Lula e Dilma em seus respectivos governos.
O fato da condenação não ser a centralidade das tarefas, não
significa que não tenha importância e não seja pauta. Lula permanece
reconhecido pelo movimento como liderança política, o que é corroborado pelas
intenções de voto em pesquisa em torno de 40%. Ainda que tente voltar a um
governo de colaboração de classes, em coalização com a sombra da burguesia,
como passaporte para aliar-se a toda ela, em um claro programa de tentativa de
revitalização do consumo pelo investimento público, a manobra de uma facção
burguesa para cassar seus direitos políticos abre um precedente que o movimento
operário em seu conjunto não pode tolerar. Os sectários e arrivistas não
compreendem as nuances e contradições da política e chegam a celebrar a
condenação, porque personalizam excessivamente a política, quando cada
indivíduo é muito mais que um agente dos interesses de classe implicados que um
sujeito nessa arena. Esses sectários e arrivistas não percebem que serão
esmagados como insetos pela burguesia, se esta conseguir consolidar cassações
de direitos políticos sem provas legais. Seu desejo de ver adversários
políticos derrotados os leva a uma aliança ou apoio informal com alguns de seus
maiores inimigos de classe, como o judiciário burguês.
Por esses motivos, a destituição de Temer pela burguesia
pode ser parte de uma cortina de fumaça, que tanto tire o foco da discussão das
contrarreformas, quanto busque equilibrar o fiel da balança da condenação de
Lula, visando embaralhar a sucessão presidencial de 2018 enquanto a burguesia
busca fabricar um quadro 100% burguês, com um aparentemente perfil mais
técnico, como o presidente francês Macron.
O que Fazer ?
E para aqueles que ainda acreditam no coelho da páscoa e na
recuperação econômica como fruto das contrarreformes, é preciso lembrar que
cerca de 60% da produção nacional é absorvida pelo consumo interno. Em alguns
setores, como a produção de carne, esse percentual chega a 80% da produção
nacional. Ou seja, as crises econômicas derivam e se aprofundam com medidas
que, se por um lado permitem o aumento do lucro quando aplicadas em uma unidade
fabril ou planta, quando aplicadas em larga escala surtem exatamente o efeito
contrário.
A contrarreforma trabalhista espanhola, fonte de inspiração
da contrarreforma brasileira, foi aplicada a cinco anos e se o seu resultado
foi o aumento do número absoluto de empregos, a quase totalidade desses postos
de trabalho são precários ou vulneráveis, o que não impactou positivamente a
economia. Isso sem considerar que a queda do desemprego foi favorecida pela
redução da população ativa, ou seja, há menos gente no mercado do trabalho que
antes e a taxa de desprego ainda se encontra em torno de 18,2% no país.
Neste quadro o movimento operário deve voltar à ofensiva e
construir uma poderosa greve geral. Apenas confiando em suas forças e seus
métodos poderá ter êxito na luta pela manutenção dos direitos e reversão da
contrarreforma trabalhista, que servirá para barrar a contrarreforma
previdenciária.
Quando para a produção, o trabalhador demonstra sua força e
muda a correlação para uma negociação com a classe dominante. Assim como apenas
quanto tomar os meios de produção para si e controlá-los segundo um plano,
poderá orientar toda a riqueza que ele produz no interesse do conjunto da
sociedade e não para o acúmulo de riqueza de alguns poucos.
A construção de uma nova e poderosa greve geral é necessária
e possível, porque o movimento operário ainda não sofreu nenhuma derrota em sua
arena, quando utiliza seus métodos. E o conjunto dos trabalhadores perceberá
pela prática que as instituições burguesas não são o seu espaço de combate,
refutando as negociações de cúpula e confiando em sua força e métodos.
Mas como já explicamos, a direção majoritária do movimento e
por ele reconhecida é uma direção reformista, que em um tempo onde não há
margens para reformas, se contenta em negociar ao percentual de carne a ser
cortada do lombo da classe trabalhadora até uma possível superação de crise. A
classe forjará sua direção através das lutas e a mobilização e confronto serão
necessários para que este processo tenha êxito.
Contra-atacar e retomar a iniciativa!
Por isso hoje o M-LPS mantém propõe e busca contribuir que
se constituam comitês de Frente Única nas fábricas e bairros para a construção
de uma nova greve geral. Esses comitês poderão ser os núcleos da
auto-organização experimentada pela prática nas lutas operárias que virão.
Nada está decidido ou será definitivo. Como nós do M-LPS já
anunciávamos em
https://movimentolutapelosocialismo.blogspot.com.br/2017/06/nada-sera-como-antes-mas-muito-se-repete.html,
nada será como antes, mas diversos papéis continuam a ser repetidos, seja pela
burguesia atacando direitos e tentando aumentar seus lucros fazendo os
trabalhadores pagarem pela crise que ela produziu, seja pelas direções
reformistas tentando uma saída negociada com a classe dominante.
Por isso junto à iniciativa de uma ofensiva da classe, uma
saída política se faz necessária. Em um momento que a burguesia tenta descartar
o presidente de ocasião, com as denúncias do procurador-geral da república
sendo fatiadas para maior desgaste deste, que devemos agitar tanto o Fora
Temer, quanto não aceitar um governo biônico eleito indiretamente por esse
congresso corrupto que vem aprovando sucessivos ataques à classe trabalhadora.
É aí que se encaixa a reivindicação democrática das Diretas Já, como agitação
por uma saída política e nesse pode mobilizar amplos setores da classe
trabalhadora, cumprindo o papel de agrupar e organizar o movimento, levando à
discussão programática do governo a ser eleito no lugar de Temer.
É por isso que o M-LPS estará em todo ato público, quer seja
convocado pela revogação das contrarreformas, quer seja pela palavra de ordem
de novas eleições diretas e gerais, sempre atuando na linha da frente única,
buscando explicar a necessidade da auto-organização e da busca pelos próprios
métodos como a saída definitiva para a classe trabalhadora.
Sabemos que o refluxo do movimento operário é temporário,
porque confiamos na capacidade da classe trabalhadora e, se o chicote da
contrarrevolução estalou forte na aprovação das contrarreformas esta semana, o
movimento poderá avançar pela via tortuosa, afinal a aparente passividade que
incomodava aqueles que não compreendem as leis da dialética foi desacreditada
por movimentações espontâneas e pressões às direções, quando as reivindicações
e direitos se viram ameaçados.
Nada está decidido, tudo será definido pela luta de classes.
Compreender a relação dialética entre a classe e sua direção, que explicamos em
nossa nota anterior (ver em https://movimentolutapelosocialismo.blogspot.com.br/2017/07/classe-partido-e-direcao.html),
é a tarefa de toda a esquerda socialista, que deve buscar todos os pontos de
convergência para criar um polo atrativo alternativo viável. Insistir nos
pontos de divergência apenas servirá para atomizar ainda mais a esquerda
socialista e prejudicar sua autoridade e influência junto ao movimento.
Trabalhar a linha da frente única com as direções
reformistas, seja dentro dos comitês que organizem a greve pela base, seja nos
grandes atos públicos sob palavras de ordem democráticas, explicando e
apresentando que a saída é pela esquerda, construindo o socialismo.
As tarefas e os desafios são grandes e crescem, mas não são
insuperáveis, com disciplina, organização e iniciativa, poderão ser superados.
* Mario Conte é músico ativista do movimento de cultura em Sâo Paulo e membro da Coordenação Nacional do M-LPS